BLUE CHEER

09/03/2010 20:14

BLUE CHEER, Rivercrest                                                                              
Sojo, Leuven - April 6, 2008

 

 

Nilberto Borges me pediu pra escrever artigos pra uma coluna sobre rock clássico e eu aceitei. Isso foi em janeiro de 2010. Mas umas fichas caíram: primeira, não entendo tudo de “rock clássico”, e o que eu entendo disso é o que eu entendo, é apenas o meu gosto pessoal, minhas bandas preferidas se contam nos dedos, todas são dos anos 60 e 70 do século passado (Creedence Clearwater, Neil Young, Rolling Stones, The Beatles, Black Sabbath, Grand Funk Railroad, AC/DC...), conheço pouco ou suficiente sobre a vida dos integrantes e pouco ou suficiente sobre todos os álbuns.

A segunda ficha é que se eu me enveredar pelos caminhos de simples resenhas sobre discos e bandas e integrantes de bandas clássicas eu posso chover no molhado e somente engrossar o belo caldo de informações contidas em sites como o ótimo Whiplash e outros. E isso sem acrescentar nenhuma novidade, correndo o risco de me aproximar de um Nelson Rubens do rock, a contar por alto histórias e anedotas sobre músicos sem confirmação. Outra ficha é o fato de eu não ter vivido a época, mas só escutado alguns discos, como o arqueólogo que encontra ossadas e construções submersas e tenta imaginar como o passado funcionava. Outra ficha é que jornalismo me cansa.

Mas vamos nessa. Blue Cheer é uma das provas de que o heavy metal é o filho pesado do blues, coisa que ninguém duvida, mas que alguns esquecem ou não sabem, como na noite em que um gordo metal pediu que o cara do bar não tocasse um blues para botasse o metal que ele tanto amava. Atendido no seu pedido, o cliente agradeceu dizendo que aquilo sim era “som de macho”. Cada qual com suas preferências.

No caso do Blue Cheer, eles resolveram aumentar o volume (há uma ótima síntese da carreira do Blue Cheer nste link - https://www.beatrix.pro.br/mofo/cheer.htm), ousaram também em saturações, em “novas” combinações de acordes, e parece que então o rock passou a um outro nível de execução e de recepção. E nada melhor que o depoimento de que presenciou esse outro nível de execução para nos dar uma noção do que é o som do Blue Cheer, que está na ativa até hoje.

Gutemberg Wendell já morou em São Luís, é músico ex-integrante da Cabelo de Alma, extinta banda do cenário maranhense. Em 2004 foi morar na Bélgica, onde viu a apresentação do Blue Cheer com os membros originais em 6 de abril de 2008, no Bar Sojo (lê-se Soio), na cidade de Leuven. É assim que ele se lembra do show:

“Fiquei sabendo do show em março e comprei dois ingressos, só para garantir e porque o Sojo é muito pequeno, a capacidade é de 200 pessoas aproximadamente", lembra Gutemberg. 

“No dia do concerto, acordei e a primeira coisa que fiz foi botar pra rodar o lendário ‘Vincebus Eruptum’ e desde esse momento eu não pude mais me concentrar. Imaginem alguém como eu, de São Luis do Maranhão, longe pra caralho, de uma hora para outra iria presenciar um dos shows mais lendários".

“A ansiedade era enorme e o nervosismo também. O concerto estava marcado para as 19 horas e desde as 15 eu estava lá. Uma fila razoavelmente grande já se formava, mas eu não me afobei porque tinha dois tickets garantidos, um que eu já tinha comprado semanas antes e outro reservado pela internet. Havia muita gente brigando pelo espaço, dizendo que tinham reservado o ingresso há semanas, e isso só aumentava mais o meu medo de chegar lá na hora e de ter perdido meu ingresso, por isso eu olhava minha carteira a cada 10 segundos!»

Ele continua : «Mas era horrível! Nunca vi tanto maluco na minha vida! A esfera era sensacional, nunca tinha passado por essa experiência, gente drogada, bêbada, sem roupas, sexo, drogas e rock and roll ! Isso realmente aconteceu esse dia, existiu, existe e sempre vai existir!»

“O concerto atrasou devido a problemas com gente bêbada e confusões por causa  dos tickets vendidos pela internet. As portas do Sojo abriram as 19 e aí foi o momento de eu me meter na fila junto com os amigos Cedric e Patrick. E ademais, nunca olhei tanta gata na minha vida! Eu me sentia mesmo no Woodstock, o dia todo rolando Jethro Tull, Janis Joplin, Santana, Hendrix, all the stufs of 70’s music!”

“As pessoas começaram a entrar contadas por que o local não suporta nem 300 pessoas, eu acho... Só sei que quando chegou a minha vez, vi que meus dois amigos já estavam lá dentro e comecei a flipar, mas claro, eu segurava forte o ticket com a minha mão toda suada de tanto que eu estava bebado, nervoso e stoned. Quando dei meu ticket para a pessoa da porta e botei meu primeiro pé dentro do Sojo, senti uma energia extraordinaria no meu peito, não por que eu estava chilado ou bêbado, mas a energia real que eu senti lá dentro, coisa que outras pessoas também sentiram e comentaram comigo !»

“Quem abriu o show foi uma banda da Bélgica chamada Rivercrest. Eles foram super bons, mas nada poderia tirar a atenção de todos que esperavam por Dickie Peterson, Duck Mcdonald e Paul Whaley. Após uma hora e meia de apresentação do Rivercrest,

meus amigos Cedric e Patrick sugeriram que saíssemos pra fumar um, mas eu falei que não iria porque estávamos na primeira fila, e aí eles mudaram de ideia. Foi aí que veio os roadies do Blue Cheer, começaram a montar a bateria e os amplificadores no palco. Depois de uns 30 minutos, Dickie Peterson, Duck Macdonald e Paul Whaley apareceram no palco. A esfera do lugar mudou, parecia que tínhamos voltado 40 anos de merda atrás. Eu estava bem na frente onde, exceto eu, tinha uma velha guarda que já sacava os caras e eu lá, dividindo essa energia cósmica que estava no ar e todo mundo estava totalmente hipnotizado.»

Eles abriram o show com Second Time Around. Uma força inevitável veio de encontro aos nossos corpos, parecia uma casa de loucos lá dentro, ninguém estava normal! Eles começaram a tocar e de repente eu só olhava vultos, o som alto e claro espacando meus ouvidos e me fazendo desejar tudo o que eu não podia ter há tempos na minha vida! Alí te confesso que qualquer um era capaz de ter um orgasmo devido à áurea e à essência da energia do som e do ácido. A emoção que eu sentia era incontrolável, tenho que ressaltar que meus meus dois amigos não seguraram a onda e um deles desmaiou no show! Minha euforia se misturava com a emoção de muitas coisas que saiam em forma de suor atraves da minha pele. De repente, acabou a segunda musica (Rock Me Baby), quando Paul Whaley estendeu a mão para mim e para outro maluco que estava do meu lado, nunca pensei que alguém como Paul Whaley iria me comprimentar e ainda falou «Hendrix isn’t dead !»

«Depois disso continuou a pancadaria de som. Eles tocaram todos os clássicos do novo álbum deles que é doideira tambám “What Doesn’t Kill You” (2007). Mas todo mundo esperava pelos clássicos “Summertime Blues”, “Just A Little Bit”, “Out Of Focus” e “Rock Me Baby”, e esses clássicos fizeram a casa cair.”

“Eles anunciaram a ultima musica mas aí o pessoal claro, pediu bis. Sempre tentávamos arrancar mais uma música deles. O show era pra durar 2 horas mas eles fizeram 3 horas e meia! Foi doido porque eles já têm uma certa idade, estão velhos, mas eles kick your ass (sic)!”

“Fim do show. Fui pegar uma cerva e no caminho me bato com Peterson

e Mcdonald. Eles tinham uma garrafa de vinho na mão. Eu usava uma camisa de Hendrix e daí eles fizeram uma brincadeira: ‘Jesus, you look like him and we met him many years ago and he was the king! Come with us and let’s taste this belgian wine’. Então ficamos conversando no backstage com os caras. Ressalto que o Sojo é underground, e se eu falo que é underground é por que é mesmo, mas nesse dia até que estava arrumado... «E repito aqui o que disse a eles: Blue Cheer é uma locomotiva velha em alta velocidade enfurecida e desgovernada correndo nos trilhos de fogo soltando fumaça para todos os lados e atropelando quem se atrever a estar na sua frente e quem cruzar o seu caminho. Esse é o Blue Cheer.

«Fiquei durante um mês tentando entender, me questionando, e hoje eu encontro com algumas pessoas que estavam no show e eles aindam falam que nao se recuperaram também. Blue Cheer pra mim se tournou uma das maiores influências vivas. Eu realmente vivi um show lendário com direito a tudo... Eles tocaram nos mesmos amplificadores de 40 anos atrás e o som era mortal !»

 

Patrick Pataugaza,

guitarra e vocal da Gallo Azhuu,

com depoimento de

Gutemberg Wendell,

músico, guitarrista, baterista e percussionista,

maranhense de São Luís vivendo na Bélgica,

ex-integrante das bandas Cabelo de Alma, Nego Kaapó,

Zippy Zero And Moo e atual Black Apple.

 

 

 

 

 

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